POR QUE EMPRESAS QUE NÃO DÃO LUCRO AINDA SÃO TÃO BEM-SUCEDIDAS?

Por que empresas que não dão lucro ainda são tão bem-sucedidas? Entenda as estratégias que permitem a essas empresas atrair investidores, conquistar mercado e crescer exponencialmente, mesmo sem gerar lucros imediatos.

Introdução

No ambiente corporativo moderno, gestores, analistas, conselhos de administração e formuladores de políticas enfrentam o desafio crescente de distinguir entre perdas contábeis decorrentes de deficiências metodológicas e perdas reais que refletem problemas subjacentes nos negócios. Esta diferenciação é crucial para evitar decisões equivocadas, como a demissão de um CEO talentoso ou o fechamento prematuro de uma linha de negócios promissora. Com o aumento dos investimentos intangíveis, como pesquisa e desenvolvimento, tecnologia e construção de marca, as empresas mais valiosas do mundo, como Nvidia, Apple e Microsoft, demonstram que os métodos contábeis tradicionais falham em refletir adequadamente a criação de valor nas organizações contemporâneas. Este texto examina as desconexões entre os princípios contábeis geralmente aceitos (GAAP) e a realidade econômica emergente, propondo uma revisão das práticas contábeis para melhor avaliar os investimentos intangíveis e fornecer uma imagem mais precisa da saúde financeira das empresas.

Onde os Princípios Contábeis Tradicionais Falham

Distinguir entre perdas que são resultado de deficiências contábeis e aquelas que refletem problemas reais de negócios é, cada vez mais, um dos desafios mais importantes que confrontam gestores, analistas, conselhos de administração e formuladores de políticas. Não fazer esse trabalho pode levar a decisões equivocadas, como demitir um CEO talentoso, fechar prematuramente uma linha de negócios promissora, vender erroneamente uma ação altamente lucrativa ou demitir cientistas e profissionais de marketing produtivos.

Os investimentos principais que uma corporação moderna faz hoje são de natureza intangível, em vez de infraestrutura física. Pense em pesquisa e desenvolvimento, melhoria de processos, algoritmos, tecnologia da informação, software, publicidade, estratégia organizacional, aquisição de clientes, patentes, construção de marca e contratação e treinamento de pessoal. Cada nova geração de empresas listadas usa mais negócios intensivos em intangíveis do que a anterior. Considere que as empresas mais valiosas do mundo — Nvidia, Apple, Microsoft, Alphabet e Meta — são intensivas em conhecimento. A avaliação da Nvidia sozinha excede a avaliação combinada de vários gigantes do século 20, como Exxon Mobil, General Motors, Ford, General Electric, Dow Inc., Goodyear e Chevron.

Portanto, são os investimentos intangíveis que separam os vencedores dos perdedores. As empresas fazem investimentos intangíveis para criar produtos e serviços únicos, ganhar clientes e participação de mercado, aumentar o poder de precificação e afastar a concorrência. Basta imaginar o que a Amazon fez que a Sears ou a Borders não conseguiram.

Mas há uma desconexão crescente entre as realidades econômicas emergentes e os princípios contábeis subjacentes. Esses princípios foram projetados principalmente para empresas industriais e intensivas em infraestrutura e ainda consideram apenas coisas físicas como ativos. Especificamente, os Princípios Contábeis Geralmente Aceitos (GAAP) dos EUA consideram os investimentos feitos em intangíveis como despesas operacionais, não como blocos de construção para o futuro. Como resultado, quanto mais uma empresa do século 21 gasta na construção de seu futuro, maiores são suas perdas reportadas.

Essa discrepância leva a dois problemas nos relatórios financeiros modernos. Primeiro, o balanço patrimonial é inadequado para avaliar os verdadeiros recursos de uma empresa. Por exemplo, os ativos mais importantes da Apple — sua marca altamente reconhecível, P&D de classe mundial e relacionamentos com clientes — não estão em lugar nenhum no seu balanço patrimonial. Quando a Apple gasta para aprimorar sua tecnologia e marca, os demonstrativos financeiros não reconhecem que ela está criando valor.

Segundo, o número de lucro líquido, quando reportado como uma perda, muitas vezes se torna uma medida sem sentido para avaliar o desempenho de uma empresa, porque é calculado após deduzir os investimentos mais importantes da empresa.

Empresas com Perdas GAAP vs. Empresas com Perdas Reais

Em um artigo publicado recentemente, recriamos os balanços patrimoniais de empresas americanas removendo a distinção contábil entre investimentos físicos e intangíveis. Em outras palavras, contabilizamos os investimentos intangíveis da mesma maneira que os ativos físicos. Usando modelos econométricos específicos do setor, primeiro identificamos a porcentagem de despesas intangíveis que criam valor futuro e, portanto, devem ser consideradas como ativos. Em seguida, estimamos suas vidas úteis, ao longo das quais esses investimentos devem ser amortizados; isso não foi diferente de como os ativos físicos são depreciados sob o GAAP dos EUA. Nossos balanços patrimoniais recalculados apresentaram uma imagem totalmente diferente da que é retratada nos relatórios financeiros atuais.

Em outro novo artigo, utilizamos esses parâmetros para recalcular as demonstrações de lucros e perdas das empresas. Descobrimos que a porcentagem de empresas que reportam perdas diminuiu drasticamente, de 34% para 26%. Ou seja, cerca de um quarto das empresas que reportavam perdas deixaram de relatar perdas após corrigirmos a deficiência contábil. Chamamos essas empresas mal classificadas de empresas com perdas GAAP. As que continuam a reportar perdas apesar da nossa correção são chamadas de empresas com perdas reais.

Validamos nosso método usando dois testes. O primeiro teste é baseado na ideia de que os números contábeis devem melhorar a tomada de decisão dos investidores. Descobrimos que as empresas com perdas GAAP obtiveram retornos de ações quase 16% maiores do que as empresas com perdas reais. Em outras palavras, se um investidor tivesse visão perfeita e criasse uma carteira protegida (ou seja, comprasse ações de empresas com perdas GAAP e vendesse ações de empresas com perdas reais), obteria retornos anuais de 16% nos mercados de ações. O segundo teste mostrou que as empresas com perdas reais têm mais probabilidade de falir do que as empresas com perdas GAAP. Esses dois testes estabeleceram a validade do nosso método de distinguir entre perdas que ocorrem devido a uma deficiência contábil e aquelas que refletem problemas subjacentes do negócio.

Não surpreendentemente, o maior número de inversões de perda para lucro — após a aplicação da nossa correção — ocorreu em indústrias de alta tecnologia, como saúde, telecomunicações e equipamentos de negócios. Quase um terço das empresas deficitárias nessas indústrias se tornaram lucrativas uma vez que nossa correção foi aplicada. Da mesma forma, o maior número de inversões ocorreu na categoria de empresas menores, indicando que muitas empresas jovens em crescimento são cada vez mais classificadas erroneamente como empresas com perdas porque seus principais investimentos são em intangíveis. Muitos unicórnios, que ainda não estão listados em bolsas de valores, cairiam nessa categoria.

Elaboramos ainda a ideia de que o método contábil correto deve distribuir os investimentos, de modo que as despesas sejam reportadas no período durante o qual as receitas correspondentes ocorrem, não quando são feitas. Por exemplo, investimentos em máquinas são corretamente reconhecidos como despesas de depreciação quando as máquinas são usadas, não quando são compradas. Revisamos a contabilidade das despesas distribuindo os investimentos intangíveis ao longo de suas vidas úteis esperadas. As despesas revisadas com base em nossos cálculos foram melhor correspondidas com as receitas atuais, levando a uma imagem mais precisa dos lucros e das margens de lucro.

Principais Lições para Gestores

Embora isso possa parecer apenas uma melhoria metodológica, o resultado afeta um dos parâmetros de tomada de decisão mais importantes para os gestores. Lembre-se de que a maioria dos negócios opera com o princípio de incorrer em custos hoje na expectativa de receitas futuras. Assim, um gestor não pode determinar a relação custo-benefício de uma decisão de investimento sem comparar os custos atuais com as receitas esperadas. Esse método, chamado de correspondência, é a única maneira de avaliar a rentabilidade dos investimentos, a maioria dos quais não produz benefícios imediatos. Conceitos como período de retorno ou taxa interna de retorno dependem do mesmo princípio, exceto que também consideram o valor do dinheiro no tempo. Sem a correspondência de receitas e despesas, a margem de lucro se torna um conceito inválido. Ao melhorar a correspondência, nosso método melhora a avaliação da rentabilidade de um investimento.

Mais importante, nossa modificação altera a avaliação de se uma empresa americana dá lucro ou prejuízo, em média. Com base em nossos cálculos revisados, as margens de lucro médias das empresas listadas nas bolsas de valores americanas mostraram ser 0,5% — não a média reportada de -8,4%. Isso mostra que mais da metade das empresas listadas nos EUA são lucrativas, não deficitárias, como indicado por seus demonstrativos financeiros. Em outras palavras, a imagem da rentabilidade das empresas americanas não é tão sombria como retratado nos relatórios financeiros.

Nossa pesquisa mostra que gestores, conselhos de administração, especialistas em políticas e observadores econômicos devem ser mais cautelosos ao interpretar os números contábeis de suas empresas — especialmente quando indicam perdas. Embora nosso método não seja perfeito e seja baseado em estimativas, ele segue o princípio de que “é melhor estar aproximadamente certo do que exatamente errado”. Para identificar investimentos que criam uma vantagem competitiva sustentável, não apenas lucros contábeis de curto prazo, os líderes empresariais devem focar implacavelmente na inovação e continuar fortalecendo o capital intangível. Nossa mensagem principal? Não tenha medo de reportar perdas contábeis de curto prazo em busca de valor a longo prazo.

Conclusão

A pesquisa apresentada destaca a necessidade urgente de atualizar os princípios contábeis para refletir a economia moderna, onde os investimentos intangíveis desempenham um papel vital na criação de valor a longo prazo. As práticas contábeis tradicionais, que tratam esses investimentos como despesas operacionais, levam a uma subavaliação dos recursos empresariais e a uma distorção da rentabilidade real das empresas. Ao recalcular balanços patrimoniais e demonstrações de lucros e perdas, considerando os investimentos intangíveis como ativos, é possível obter uma imagem mais precisa da lucratividade e da saúde financeira das organizações. Esta mudança metodológica é essencial para que gestores e investidores tomem decisões mais informadas e alinhadas com a criação de valor sustentável. Em última análise, focar na inovação e fortalecer o capital intangível permitirá que as empresas superem a competição e garantam um crescimento sólido no longo prazo, mesmo que isso signifique enfrentar perdas contábeis de curto prazo.

Com conteúdo hbr.org

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